Argumento

 

 

O mundo está velho e anuncia não o fim, mas um fim, num tempo em que não acreditamos mais em um mundo novo, mas em constantes transformações. O próprio significante “novo” está velho. O que vivemos hoje no Brasil, como a devastação das florestas, a segregação, o racismo, o privilégio de poucos sustentado pela fome de muitos – nada disso é novo. Pelo contrário, estamos diante do avanço da necropolítica que fornece subsídios ao capitalismo para aumentar a eficácia dessas práticas que estão presentes desde os primórdios de uma colonização feita a ferro e fogo. O efeito colonização é antigo, mas a cada vez e a cada tempo exige atualização de suas estratégias em consonância com sua época.

Há alguns anos a EBP Seção Rio de Janeiro, em seus seminários e jornadas, coloca em debate a segregação que permeia nossa civilização, buscando uma ação política da psicanálise que não se restrinja à clínica, mas faça ecoar no público nossa posição ética diante da barbárie que nos atravessa a cada esquina.

Como observa Miller em “Intuições milanesas”: “Há na psicanálise, é preciso constatar, um atraso da teoria que não é contingente, que não é acidental, mas que é sem dúvida de estrutura, pelo menos no que concerne à elaboração. E essa elaboração está certamente em tensão com o próprio saber que se trata de elaborar, um saber que deveria exprimir a realidade, realizando-se segundo uma ordem necessária”.

Com o tema dos coletivos, procuramos fazer dessas Jornadas uma espécie de dispositivo para avançarmos em nossas elaboração e ação. Trata-se de um passo a mais na tentativa de localizar o lugar e as ferramentas da psicanálise nesse debate. A psicanálise não é uma sociologia, mas o analista não é neutro ou indiferente aos acontecimentos sociais presentes tanto na fala dos analisantes quanto em nossa própria comunidade.

No ano passado, o texto de Freud – Psicologia das massas e análise do eu – fez 100 anos. Não vamos comemorar, nossa proposta é trazer para os dias de hoje as reflexões freudianas do período entre guerras, isto é, da época em que se inventou o assassinato em massa, não só dos soldados e nem só do inimigo. Trazê-lo para dele nos servirmos na formulação de estratégias psicanalíticas para entrar no combate atual.

Em uma nota de rodapé no final do texto “O tempo lógico e a asserção da certeza antecipada”, Lacan resume o primeiro parágrafo de Psicologia das massas e análise do eu: “O coletivo não é nada senão o sujeito do individual”. Essa frase é o nosso eixo nessas Jornadas.

Nesse texto de 1945, Lacan refere-se à subjetividade da sua época como movimento simbólico, uma referência ao inconsciente estruturado como linguagem e ao desejo como desejo do Outro. Outro que “traz em si a história e os traços fundamentais da civilização”. Mais tarde, a partir de O seminário 17 e até o fim de seu ensino, Lacan refere-se não só à dialética do desejo, à história, como também às implicações do gozo no laço social.

Além do texto freudiano já citado, extraímos alguns escritos de Lacan, em momentos diferentes de seu ensino, para nos orientar nessas Jornadas: “O tempo lógico e a asserção da certeza antecipada” (1945), “A psiquiatria inglesa e a guerra” (1947), “Proposição de 9 de outubro de 1967 sobre o psicanalista da Escola”, e a aula 11 de seu 21º Seminário (1974).

Com esse arsenal, de Freud e Lacan, contamos com sua participação efetiva na conversa, tanto nas plenárias on-line como no encontro presencial.

Até lá,

 

Ana Lucia Lutterbach

 

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