Por Viviane De Lamare
Na segunda mesa preparatória para as XXVIII Jornadas Clínicas da EBP Rio e do ICP-RJ – Os nomes da vida. Marcas da pandemia – a artista visual convidada Rivane Neuenschwander fala de sua obra – O nome do medo – e a conversação é coordenada pelo cartel formado por: Fátima Pinheiro, Flavia Corpas, Giselle Falbo, Paula Legey, Sarita Gelbert (mais um) e Thereza De Felice.
Desse encontro fica a pergunta: como a obra de Rivane ressoa para nós psicanalistas?
Rivane inicia falando de outro projeto – Eu desejo o seu desejo – realizado em 2003, como precursor ou impulsor deste. Desejos são escritos em fitas semelhantes as do Bonfim e expostas em uma galeria. Os visitantes podem levar as fitas que deixam o espaço da exposição para a cidade. Algo inesperado se dá, o público escreve em papel seu próprio desejo e agrega às fitas penduradas. O número de desejos se multiplica. Nesse projeto, segundo ela, seu interesse está nos enunciados, na frase, que pode formar um livro. A partir dos enunciados dos desejos, surge um lugar sombrio. O desejo esconde o medo. E o objeto do medo. O nome do medo.
Na abertura do catálogo de O nome do medo[1] aparece seu nome e os nomes das crianças que fizeram parte do projeto. São seus parceiros que recriam a cada momento a própria obra. Duzentas crianças entre 7 e 13 anos, alunos de escolas públicas, privadas, abrigos e público espontâneo. O processo se dá em várias etapas. As crianças falam do que tem medo, escrevem e desenham, cada um seu medo particular. Rivane não quer abafar o medo, não é um defeito, é o motor do trabalho. Como sua obra viaja por vários países, os medos variam. No nosso país o medo de bala perdida faz parte do cotidiano. Ela se interessa pelas distorções fonéticas e pela caligrafia enquanto desenho. Todo o tempo atenta aos rabiscos, à grafia antes da linguagem, aos resíduos das falas. Quando realizou esse trabalho em Londres não conhecia bem a língua inglesa, as crianças falavam e “as palavras caíam como chuva, como música”. Ressoavam além da significação.
A partir dos desenhos, as crianças trabalham na execução de capas muito coloridas, que serão levadas para suas casas. A capa tem a função de proteção contra o medo, é quase um objeto mágico. Não basta escrever e desenhar – é preciso fazer a capa. Vestir a capa. A capa recobrir o corpo.
Rivane trabalha com a formalização e com o acaso; com o singular e o coletivo. Há um momento em que ela seleciona os desenhos e as capas que serão recriadas e confeccionadas por Guto Carvalho Neto. Cada capa é feita a partir do medo de uma criança ou misturar medos de outras. Os afetos se misturam em um coletivo. A partir deste momento, O nome do medo pode estar em qualquer lugar do mundo, a obra viaja sem a presença do artista.
O trabalho de Rivane é uma resistência à transformação da obra de arte em objeto fetiche à mercê de um sistema capitalista. Lacan, leitor de Spinoza, diz que o corpo está marcado por afetos poderosos, e a angústia é o mais poderoso de todos. Tentamos nomear esse afeto que atravessa nosso corpo e um dos nomes é o medo. Mas o corpo afetado pelo medo é ao mesmo tempo o corpo do parlêtre e o corpo político.