ARGUMENTO 

 

Talvez o que a gente tenha que fazer não é eliminar a queda, mas inventar milhares de paraquedas coloridos, divertidos, inclusive prazerosos.”
Ailton Krenak

De repente o mundo estanca, a morte nos cerca e o medo impera. A vida, que conhecíamos até então, é colocada em suspenso. Impactados pelo instante de ver e, em busca de um tempo para compreender que traga um certo apaziguamento, prosseguimos. Como disse Miquel Bassols, não podemos contar com o final do túnel e “…quem sabe não seja melhor ficar ali um pouco mais inventando alguma coisa antes de sair. Podemos fazer isso. E sempre com a liberdade da palavra. Sem ela, o sujeito do desejo nunca poderá existir nem persistir.”[1]

Um ano depois, a que ponto chegamos? A vida seguiu, atravessada por perdas e descobertas, e já podemos pensar nas marcas da pandemia.

‘Existirmos, a que será que se destina?’ – a pergunta de Caetano Veloso, a partir do suicídio do amigo, parece ressoar a cada instante. Diante dessa questão irrespondível, é preciso inventar respostas. Quais os nomes da vida? O nome surge a partir do impossível de se dizer, revelando que é preciso consentir com o furo para que as invenções emerjam.

‘Os Nomes da Vida’ remetem ainda aos Nomes do Pai, na medida em que contribuem para o enodamento dos três registros e evidenciam o modo que cada um encontrou para se virar ao longo desse tempo.

Também a experiência da psicanálise foi tocada profundamente durante a pandemia. Em que outro momento tantas pessoas procuraram análise, acossadas pelo sofrimento psíquico brutal engendrado pela pandemia? Qual o lugar e a responsabilidade do analista no mundo pandêmico? Como conduzir as análises com a transformação imposta pelo confinamento, na medida em que o encontro passou a se dar através das telas de computadores e smartphones? Como o corpo se faz aí presente e quais seus efeitos?

Após esse tempo, já não é possível dizer que não há experiência de análise online. A nossa tarefa deve ser, antes, tirar consequências das mudanças que se impuseram. Não devemos nos manter na nostalgia do que já não é, mas sim buscar, como diz Lacan, “alcançar em seu horizonte a subjetividade de sua época[2]”. Cabe-nos pensar os lugares e sentidos – mesmo provisórios –  que esta frase deve assumir hoje para que não se torne apenas um bordão.

Interrogações abrem-se a partir daí. Qual o lugar da psicanálise e da formação dos analistas nos tempos online? Como se dão as emergências do real e seu velamento na vida virtual? Qual a função das artes durante a pandemia e de quais artifícios cada um lança mão para a travessia desse período?

São essas as questões que propomos discutir nos três eixos que constituem as XXVIII Jornadas da EBP-Rio e ICP/RJ: Psicanálise e Formação, o Real e o Virtual, Artes e Artifícios.

Em um momento em que a morte assombra o mundo e um genocídio toma conta do nosso país, nossas Jornadas apostam na vida e seus nomes, buscando circunscrever as invenções que brotam em meio à crise e ao horror.

Lacan diz que é preciso que o psicanalista “…conheça bem a espiral a que o arrasta sua época na obra contínua de Babel, e que conheça sua função de intérprete na discórdia das línguas.”[3]. O chamado está feito e não podemos dele nos esquivar. A vida na nossa época, seus nomes e línguas, virtuais ou não, nos convocam ao trabalho.

 

Adriano Aguiar e Maria Inês Lamy
Coordenadores da Comissão Científica

 

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[1]. Bassols, M. “O que podemos encontrar no final do túnel?”. Em: EBP, Correio Express n. 019, 15 de maio de 2020.
[2]. Lacan, J. “Função e campo da palavra e da linguagem”. Em: Escritos, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., 1998, p. 322.
[3]. Idem.

 

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