12 de agosto de 2021 | Boletim GPS

Lançamento das XXVIII Jornadas Clínicas da EBP-Rio e do ICP RJ, ‘Os nomes da vida: marcas da pandemia’

Por Ruth Helena Pinto Cohen
Diretora da Escola Brasileira de Psicanálise – Seção Rio de Janeiro

 

 

Gostaria de agradecer à equipe de organizadores, que está à frente de nossa XXVIII Jornadas, por ter sustentado o desejo decidido de trazer significantes da EBP-Rio e do ICP e lançá-los à interlocução com a cidade e fora dela.

Hoje, para dar a partida a essa primeira aposta de trabalho, contamos com um convidado muito especial: Fabian Naparstek[i], que nos abrirá o caminho da conversação sobre o tema, no campo da psicanálise.

Receberemos, em novembro, convidados no interior e do exterior de nosso território, com o mesmo acolhimento e respeito, agradecendo, desde já, as ricas contribuições que advirão.

Tomo emprestado uma fala de Krenak para introduzir o que nos espera nessas jornadas da vida, com as marcas da pandemia: “Vamos ter que produzir outros corpos, outros afetos, sonhar outros sonhos para sermos acolhidos por esse mundo e nele podermos habitar”.[ii]

Conseguimos atravessar 2020 e agora, em 2021, ainda estamos desafiados pela mesma devastação pandêmica e política, pelo enfrentamento das irrupções do real e buscando alguns nomes para nos orientar nesse trabalho, dentro e fora do campo freudiano. Krenak é um deles, autodenominação de Ailton, um de nossos convidados, que vai nos indicar como é possível sobreviver à “máquina devoradora de mundo” e como vidas insistem em seguir seus rumos, às margens de um Rio, outrora Doce e que, após muitos assassinatos, passou a mostrar toda a acidez de sua erosão. Alumínio, manganês e ferro comeram os peixes, mas essa agua barrenta não desiste de escorrer como uma lágrima, insistindo em não-toda morrer.

Nessas Jornadas juntaremos nossas vozes a de seres falantes que buscam mudar o curso dos rastros da morte de mais de 500.000 brasileiros, do feminicídio, do homicídio, do genocídio. Cidios – sufixo latino que se repete e tem origem do latim caedo, que significa cortar, matar.

Apostamos nos nomes da vida, tendo como ferramenta a psicanálise, que, com a lâmina afiada de seu discurso, busca o possível de se saber, dizer e fazer com as cadeias repetitivas dos sintomas que se alastram e ganham corpo. Falamos de um Rio enlameado pela sujeira dos governantes e nos indagamos: Qual a responsabilidade ética da psicanálise frente ao inominável de uma cognoscível ameaça? O que a formação do analista oferece como instrumento? Do nosso primeiro eixo destaco a proposta: Em um cenário de perdas e desamparo, a psicanálise revela-se uma trincheira contra a pulsão de morte.

Talvez não tenhamos mais fantasias potentes para nos proteger, mas mesmo assim, insistimos em ouvir o grito, o vagido, o silêncio, o hiperverbal da vida, com seus nomes, ainda na tentativa de encontrar o apaziguamento da dor de existir. Vamos rastrear essas marcas do real, mesmo que seja nas redes virtuais, na busca de um dizer para além dos ditos, das enunciações para além dos enunciados e, assim, tornar audível a insistência do desejo, que não seja anônimo.

Vamos encontrar muitos parceiros, às margens desse Rio, em especial nossos convidados que não compartilham a mesma língua, mas o castellano, e que trarão em suas vozes sonoridades diferenciadas. Falamos da colega chilena Paola Cornú AE (NEL) e do espanhol Miquel Bassols [iii], falamos das marcas d’água da língua brasileira, que tem como uma das fontes a “linguística indígena” que Krenak traduzirá para o português. Contaremos, também, com a expressão artística bem brasileira de Cao Guimaraes, artista plástico, que em uma de suas obras ‘Ex-isto’, dá nome a um filme e, assim, também toca nossa ex-sistência.

A psicanálise em nosso tempo se vê desafiada pelas irrupções de traumas, menos articulados à fantasia, indicando que a dívida simbólica e a representação são apenas a fumaça indicativa de que ali havia o fogo do Nome do pai. O analista dejeto faz parte desse solo, cujos alicerces da cidade do Rio carregam as marcas da escravidão, da violência e da falta de lei.  Contamos também com Freud e Lacan para enfrentar esse Outro avassalador e nos posicionarmos no avesso do discurso do mestre contemporâneo.

Para terminar, trago uma fala de Eliane Brum [iv] que aponta um ato falho de um político brasileiro: A certa altura, ele agradeceu “a cada cidadã e cidadão que, ao longo dos últimos oito anos, dispensou a sua vida” no empreendimento da construção da usina de Altamira, a cidade mais violenta da Amazônia. Dispensamos esse enunciado, que se abre à leitura de uma enunciação, que pretendemos contradizer com nosso argumento. Em um momento em que a morte assombra o mundo e um genocídio toma conta do nosso país, nossas Jornadas apostam na vida e seus nomes, buscando circunscrever as invenções que brotam em meio à crise e ao horror.

Gostaria de convidá-los à leitura dos eixos e envio de trabalhos.

 

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[i]. Psicanalista Membro da Escuela de Orientación Lacaniana (EOL) Argentina e da Associação Mundial de Psicanálise (AMP), Analista da Escola (AE) no período de 2002 a 2005.

 

[ii]. Krenak, Ailton. A vida não é útil. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2020.

 

[iii]. Psicanalista membro da “Escuela Lacaniana de Psicoanàlisis” da “École de la Cause Freudienne”. Ex-presidente de Associação Mundial de Psicanálise (2014-2018).

 

 [iv]. Brum, E. Belo Monte, a obra que une os polos políticos. Por Eliane Brum,  6 de dezembro de 2019 – Acesso em: <https://racismoambiental.net.br/2019/12/06/belo-monte-a-obra-que-une-os-polos-politicos-por-eliane-brum/>

 

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