29 de setembro de 2021 | Boletim GPS

Ressonâncias da I Preparatória. Marcas recolhidas

Por Glória Maron                                                                                                                               

A participação de Fabián Fajnwaks na I Preparatória das XXVIII Jornadas Cínicas da EBP RJ “Os Nomes da Vida” deixou marcas que se refletiram no excelente e arejado debate. Com rigor e leveza, nos brindou com contribuições teóricas e clínicas, produzindo questionamentos importantes sobre o tema em torno das nomeações queer. Constituiu um momento de acolhimento e busca de respostas às interrogações que as transformações das práticas e identidades sexuais colocam para a civilização e por extensão aos psicanalistas.

Escolhi alguns que recolhi e que ressoaram como convite ao trabalho. A começar a abordagem das marcas da vida – título das Jornadas – tomada na perspectiva dos nomes do gozo, operação de nomeação que articula pulsão de vida e pulsão e pulsão de morte. A questão das nomeações ocupou um lugar central na sua transmissão, incluindo as operações de nomeação buscadas nos movimentos identitários e aqui mais especificamente naqueles relacionados aos queer.

O interesse de investigar as culturas queer desde 2011 descortina uma leitura que o levou inicialmente a destacar o que esses movimentos contestam e sinalizam quanto à não conformidade aos significantes mestres que a heteronormatividade se utiliza para designar a sexualidade bem como atestam a impossibilidade de regulação e domesticação do gozo. A orientação pelo real do gozo não autoriza qualquer normatividade e a sexualidade é abordada através do laço fantasmático com o objeto a que desconhece a diferença sexual.

Os movimentos coletivos queer, por sua vez, travam uma luta em busca de reconhecimento de uma identidade apoiada num significante mestre elevado à categoria de insígnia. Valiosa a referência à Lacan no Sem 24, “o ser sexuado não se autoriza senão de si mesmo, e de alguns outros”, uma proposição que coloca em relevo soluções engendradas que não passam pela determinação vinda do Outro. Como alojar e nomear o gozo fora do regime do falo e do Nome do Pai?  O que nos ensinam sujeitos cuja identidade se apoia em movimentos coletivos em torno de práticas sexuais? Mesmo quando bem sucedidas, se distinguem radicalmente de nomeações oriundas a partir da análise quando o analisante forja um nome próprio de sinthoma. Daí a advertência que nem toda autonomeação é nomeação, nos leva a fazer valer o princípio da psicanálise do caso a caso.

Outro ponto a destacar e explorar é a referência à distinção das tentativas de nomeação que implicam o enodamento RSI das respostas oferecidas pelas tecnociências que intervém diretamente sobre o real do corpo. Respostas essas que obstruem a emergência da divisão subjetiva daqueles que buscam na intervenção no corpo uma resposta a um gozo que o significante não recobre. Qual o destino da fantasia nessas “soluções”?

O que podemos extrair das pontuações sobre o elemento neutro[1]? O neutro pensado como heterogêneo, diferencial, não relacional, um elemento em falta, condição do simbólico, desaparece nas teorias de gênero, contribuindo para o declínio da ordem simbólica, rebaixamento da falta e apagamento da diferença sexual. O que esse elemento neutro, pode nos ajudar a esclarecer sobre o gozo inassimilável por qualquer binarismo? Como a afinidade do neutro e o objeto a contribui para elucidar sobre o enlaçamento RSI o final de uma análise? A propósito, a referência à experiência analítica levada a seu termo foi evocada oportunamente como a passagem pelo tour pelos ditos para se chegar a um dizer sobre o gozo inassimilável e que resta opaco ao final desse percurso.

Destaco finalmente, as pontuações sobre a afinidade da nossa época com a fluidez de um modo geral, e particularmente com a fluidez do gozo, tomado na perspectiva da metonímia. O encontro com o analista pode se tornar a oferta de um significante, uma metáfora, que funcione como baliza para localizar o gozo à deriva. Um tratamento que aposta na transição translinguística.

Para concluir, ressalto que as pontuações contribuem para sustentar a pergunta: o que podemos falar da prática do psicanalista nessa época marcada pelo rebaixamento do simbólico, sem recair na acomodação nem abrir mão dos princípios da psicanálise?


[1] Neutro, termo trabalhado por Eric Marty em O Sexo dos Modernos, extraído da obra de Roland Barthes,O Grau Zero da Escrita.
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