11 de agosto de 2021 | Boletim GPS

Um estranho familiar

Angela Negreiros

Psicanalista membro da EBP e da AMP

 

 

Nosso estimado colega e vizinho íntimo Fabián Naparstek nos visitou neste perto-longe em que nos encontramos. Foi um prazer vê-lo e ouvir suas palavras que teceram para nós uma trama nova, mas que reconhecemos tão antiga… Fabián nos revela que seu sobrenome é relativo ao ofício de tecelagem de seus antepassados. O teaser da Jornada mostra a imagem de um  tear que tece…palavras! Escolhi, entre elas, falar um pouco justamente do caráter da trama que se desenrola na pandemia e que nosso convidado nos apresenta de maneira particular: o estranho familiar. Os opostos que se entrelaçam, o mais íntimo e mais desconhecido, o fora que é também dentro, o êxtimo, a liberdade entre quatro paredes, o que é e não é ao mesmo tempo.

Estávamos às voltas com nosso não todo do dia a dia, quando aos poucos ouvimos notícias de que algo terrível e longínquo poderia chegar. E… PAN !!!, o todo de uma PANdemia é anunciado. Como bem definiu Marcia Zucchi nesse mesmo encontro, “a angústia é a presença do objeto onde deveria haver furo para o desejo circular”. Eis que uma presença desconhecida e invisível  no ar ameaça a todos mortalmente. Logo tem um nome, e logo  uma imagem, que se assemelha a uma cabeça da Medusa. Sinistra imagem, que os desenhos de luta das crianças vão nos apontar. A castração, nos diz Freud. E  alguns pedem socorro aos analistas. Lacan, no inicio do Seminário 10, compara a angústia a um instrumento de tortura que é inserido na boca do sujeito e que o impede de falar, gritar. Tem o nome de pera da angústia. Primeiro  terror que tampona nossa fala, e a partir do qual, aquilo que era PAN, de todos, passa a ser também de cada um. E cada um tenta retomar suas vias de desejo e demanda, seu desfiladeiro de significantes, seu corpo, sua vida. Isso não é igual para todos, embora um fenômeno de massa tenha “politizado” grupalmente o escudo que protege do olhar mortífero da Medusa. Recalque, condensação, deslocamento, recusa, forclusão. Medo do medo, paranoia, produção de sentido, teorias da conspiração, objeto olhar no Zenith do mundo dito civilizado… A procura pelas terapias e também pelas drogas aumenta, e pela psicanálise também, é preciso falar para afastar a pera da angústia. E, como bem mostrou Naparstek, o encerramento na intimidade de quatro paredes transformou íntimos em estranhos que poderiam carregar “vírus” de toda ordem, desconhecidos. Também o corpo se torna estrangeiro para si mesmo… Esses corpos, esse dizeres que se estranham e que por hora entrevemos na telinha serão os mesmos quando voltarmos ao “normal”? Nosso GPS procura os “Nomes da Vida”, nomes de gozo, Nomes-do-Pai, nos lembra nosso visitante com Miller. Sempre um dever ético da psicanálise, retomar as vias do desejo e do gozo, como Ruth Cohen aponta.

 

 

 

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