Marcus André Vieira
“O dizer da análise, na medida em que é eficaz, realiza o apofântico, que por sua simples ex-sistência, distingue-se da proposição. Assim é que coloca em seu lugar a função proposicional, posto que, como penso haver mostrado, ela nos dá o único apoio que supre o ab-senso da relação sexual. Esse dizer renomeia-se aí pelo embaraço que deixam transparecer campos tão dispersos quanto o oráculo e o fora-do-discurso da psicose, através do empréstimo que lhes faz do termo interpretação.” (O aturdito, p. 492)
LACAN, J. O aturdito [1972]. In: Outros escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.
Antes mesmo de buscar referências que nos ajudem, permita o leitor que prossigamos, para começar invertendo. É o final do parágrafo que nos interessa. Leiamos, portanto, de trás para frente:
- O termo “interpretação” é tomado de empréstimo a campos tão dispersos quanto o oráculo e o fora-do-discurso da psicose para renomear o dizer de uma análise.
- Esse empréstimo deixa transparecer um embaraço. É o embaraço de apoiar-se na função proposicional para suprir a relação sexual.
- Desta função distingue-se, por sua ex-sistência a ela, o apofântico.
- Realizar o apofântico é o que faz, quando é eficaz, o dizer da análise.
Juntando as pontas, podemos partir do seguinte enunciado: a interpretação analítica, entre tantos dizeres de uma análise, é seu dizer eficaz por realizar o apofântico, o que, tal como ocorre na psicose e nos oráculos, desembaraça esse dizer da função de suprir a relação sexual que não existe.
Lacan institui no seio do universo das proposições uma oposição entre o apofântico e o modal, fazendo-a recobrir sua distinção entre desejo e demanda. Ambos são enunciados passíveis de um valor de verdade ou falsidade, no entanto, enquanto o modal diz respeito à demanda, o apofântico é o dito que incide sobre a causa do desejo. O apofântico afirma aquilo que “é”, as outras proposições falam do que “pode ser”, caso isso ou aquilo aconteça.
A interpretação está, portanto, com relação à proposição, articulada ao que parece exceder o valor de sentido de um dito, sendo, entretanto, um dito. Dessa forma, se ela se relaciona com o oracular, não o será pelo transe, ou mantra. O dito apofântico é mais absoluto que silencioso. Enquanto o modal é a demanda da prece, o apofântico é a certeza da profecia.
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