Cristina Frederico
Sarita Gelbert
Os significantes mestres que ordenavam nosso mundo e serviam de parâmetro para a produção dos ideais vêm se proliferando e sofrendo mudanças que afetam os laços e o modo de produzir sintoma. Quais seriam os efeitos clínicos com as mudanças de discurso e com o avanço do capitalismo? Como o analista pode fazer parceria com os sujeitos que recusam o trabalho do inconsciente e provocar ali um consentimento?
Basta estar em análise para se ter a experiência da recusa ao inconsciente. No entanto, em alguns casos, a recusa torna-se impedimento em seguir na associação livre. A psicose é o exemplo clínico paradigmático da recusa em consentir com a perda de gozo constitutiva do sujeito. Mas, não só. O rechaço ao inconsciente recai também nos casos em que há a recusa na cessão do objeto de gozo em favor da satisfação ininterrupta e inseparável do corpo, seja ela pela hiperconexão, via aparelhos tecnológicos, pelo abuso de droga nas toxicomanias, pelo excesso de comida na obesidade e, como nos diz Domenico Cosenza, em todos os “sintomas que assumem práticas de gozo corporal em circuito fechado, desconectado do Outro e sem sentido”[1], como na anorexia. No mundo em que há um abalo na função reguladora do Ideal do Eu, a adolescência se revela como momento privilegiado para a manifestação desses sintomas e para se experimentar uma espécie de distopia, o que torna difícil para os adolescentes desenharem seu futuro. A recusa ao inconsciente e ao estatuto do Outro se manifesta também no impossível de se representar de uma experiência traumática.
O sintoma inaugural da psicanálise pede decifração ao Outro e um alcance metafórico da linguagem. O sintoma histérico fala, pois se endereça ao Outro, “embora seja fundado sobre a escrita de um traço”.[2] As respostas de uma análise se evidenciam no traçado significante das marcas inconscientes em uma espécie de escrita do gozo. Como então intervir e sustentar um lugar para essas marcas que insistem, quando não há a crença no inconsciente ou quando se ouve a redução do dizer pelo dito? Esses impasses presentes na clínica exigiriam uma interpretação como ato, com um esvaziamento de sentido. Lacan segue pelo paradigma no qual o inconsciente cifra e, por vezes, decifra, revela um sentido oculto, e vai até o inconsciente real, inabordável pela palavra. O paradoxo é que nisso que necessita ser dito se trata de um dizer que se está dizendo e não de algo “inefável, fora das palavras”.[3]
Como privilegiar uma interpretação que incida sobre o real dessas marcas ao operar com a língua, os seus equívocos e as ressonâncias?[4] Como não desatrelar o sintoma, seja ele qual for, da aposta ao inconsciente?
A toxicomania representa, de forma contundente, os impasses da psicanálise diante da presença do gozo e a iteração do Um.[5] O inconsciente real se presentifica sem muita possibilidade de trabalho via inconsciente transferencial. Esse é um grande desafio posto à psicanálise.
Qual seria o trabalho preliminar para viabilizar a abertura ao inconsciente, quando nos deparamos com o excesso de gozo no corpo avesso à incidência da palavra? A análise teria o desafio de sempre instaurar a crença no inconsciente como direção do tratamento? Aguardamos as contribuições clínicas que ensinem através dos impasses, falhas e recusas em se obter o consentimento ao inconsciente na clínica. É a oportunidade também para investigarmos a interpretação orientada pelo real, quando ela permite renovar a aposta no inconsciente.