Glória Maron
“Digamos que, no investimento de capital da empresa comum, o paciente não é o único com dificuldades a entrar com sua quota. Também o analista tem que pagar: – pagar com suas palavras, sem dúvida, se a transmutação que elas sofrem pela operação analítica as eleva a seu efeito de interpretação.”
LACAN, J. A direção do tratamento e os princípios do seu poder (1958). Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1998, p. 593.
Palavra e linguagem são dois termos-chave do ensino inaugural de Lacan e estão presentes no escrito “A direção do tratamento e os princípios do seu poder”. Esse texto, conserva a sua importância e atualidade para a orientação da prática do analista, quando Lacan retorna a Freud para abordar o fundamento da palavra na experiência analítica. Lacan amplifica o que costumamos no dia a dia sustentar: a experiência analítica opera pela palavra. Longe de ser uma relação dual, a palavra é um elemento importante na situação analítica, dominada à época desse escrito, pela vertente imaginária na prática analítica dos pós-freudianos. Nesse texto, no que tange à interpretação enquanto tática, Lacan sustenta que o analista se apresenta mais livre quanto ao momento, ao número e à escolha de suas intervenções. Todavia, para que a palavra do analista possa adquirir efeito de interpretação, adverte Lacan, a transmutação da palavra não é dada pela pessoa do analista, mas é atravessada necessariamente pelo lugar que a transferência confere ao analista.[1] Sua advertência avança na direção de distinguir uma intervenção “esclarecedora”, carregada de sentido e que se coloca a serviço de tamponar e contribuir para o fechamento do inconsciente, de uma interpretação e seu efeito de abertura[2], que preserva que há um indizível na experiência analítica.
Não há regras para a interpretação, mas como aponta o escrito, há princípios que orientam a prática do psicanalista. Podemos deixar em aberto uma afirmação sutil e irônica de Lacan, que, de certo modo, comporta um enigma: “Uma interpretação só pode ser exata se for… uma interpretação”.[3]