“Disso resulta, acrescentei depois, mas sem efeitos, que é em lalíngua que opera a interpretação – o que não impede que o inconsciente seja estruturado como uma linguagem, uma dessas linguagens nas quais é justamente assunto dos linguistas convencer de que lalíngua é animada”. (A terceira, p. 21).
LACAN, J. A terceira [1974]. In: Opção Lacaniana: Revista Internacional da Escola Brasileira de Psicanálise, n. 62. São Paulo: Edições Eólia, 2011.
A concepção da linguagem, a partir de lalíngua, introduz o registro do equívoco, do traumatismo e se refere a um corpo marcado por um real pulsional. Caminhamos em uma análise não só com a escuta do sentido do sintoma, mas, sobretudo, com a leitura do fora de sentido, do inconsciente real.
Primeiro, o inconsciente estruturado como uma linguagem, Unbewusst, do primeiro ensino e, depois, o falasser, Une-bévue, articulado ao pulsional. O inconsciente como enigma e o inconsciente como modo de gozo.
Abordar o inconsciente pelo falasser é habitar um corpo e ser perturbado por ele, traumatismo por onde a linguagem faz furo no saber. Para o falasser, o corpo sempre lhe é estranho. Pelo corpo passam coisas que escapam e, por isso, dizemos que o corpo sintomatiza, que é escrito por significantes, marcas que produzem um corpo-sintoma afetado pelo gozo.
Interpretar o inconsciente estruturado como linguagem é a direção do sintoma como metáfora; interpretar o falasser no último ensino é dar à palavra um lugar de acontecimento de corpo. A interpretação deve incidir sobre aquilo que um sujeito tem de mais íntimo, sua lalíngua. Um dizer que tem efeito de furo e que acontece no corpo. O gato que ronrona…[1] o ronrom faz vibrar todo o corpo do animal, ele é seu gozo. Segundo Lacan, o mesmo se dá com o homem que fala: lalíngua não é primeiramente feita para dizer, mas para gozar. “Eu sou ali onde isso goza”.
Portanto, a língua do trauma sempre trará a presença de uma estranha alteridade que deve encontrar um “saber-fazer aí” com o que é, portanto, mais real, o ronronar de cada um. O encontro com essa lalíngua impacta o corpo e não é comunicável, nesse sentido é que a linguagem é uma elocubração de saber sobre lalíngua. Lugar de tropeços e invenções.