“Há frequentemente uma passagem, mesmo no sonho mais completamente interpretado, que tem de ser deixada obscura; isto se deve a que, durante o trabalho de interpretação, damo-nos conta de que neste ponto existe uma meada de pensamentos oníricos que não pode ser desemaranhada e que, além disso, não acrescenta nada a nosso conhecimento. Este é o ponto central [umbigo] do sonho, o ponto de onde ele mergulha no desconhecido”.
FREUD, S. (1900). A interpretação dos sonhos. In: Edição standard brasileira das obras psicológicas completas, vol. V. Rio de Janeiro: Imago, 1996. cap. VII. p. 560.
Nessa citação fundamental, Freud verifica a presença de um ponto central – o umbigo do sonho – por meio do qual o sonho se liga ao desconhecido, ali onde falta qualquer representação e de onde se eleva o próprio desejo do sonho. Assim balizado, Lacan trabalha com duas vias da intepretação, uma de amplificação do sentido que se expande tal como o micelium do sonho, outra de redução de sentido, orientada para o encontro com o real por trás da falta de representação. A interpretação buscaria a fala plena, ao invés da fala vazia, que se encontra presa no movimento espiral da demanda metonímica infinita de sentidos. Em suma, a interpretação visaria liberar a petrificação do enunciado no significante e a assunção do desejo escondido atrás das demandas, isto porque visaria o ponto de ausência que causa a própria metonímia do desejo – o objeto causa de desejo.
Com o aforismo “a interpretação deve incidir sobre a causa do desejo”, Lacan designa a causa dos ditos e dos atos do sujeito, ou seja, o que provoca a própria produção de sentido, mas permanecerá inapreensível. Aqui, duas vias de entendimento para a interpretação são possíveis: a primeira, diz respeito ao significante S1 – significante uniano, sozinho, isolado – que não induz ao sentido –, diferenciando-se, assim, do significante unário que impele à articulação a outro significante S2. A primeira via indica o lugar de um “gozo opaco, por excluir o sentido”, que repercute no corpo sem enlaçar-se a qualquer ordem significante.