Ana Beatriz Zimmermann Guimarães
Boa noite a todos.
É com grande satisfação que componho esta mesa hoje ao lado de minhas colegas para apresentar as XXXI Jornadas Clínicas da EBP-Rio e ICP-RJ, sob o título A palavra e a pedra: interpretação em análise, que ocorrerá nos dias 4 e 5 de outubro de 2024. Este tema, que se relaciona com o do XXV Encontro Brasileiro do Campo Freudiano – Os corpos aprisionados pelos discursos e seus restos –, e, acredito eu, que com o do próximo congresso da AMP: “a relação sexual não existe”, deixando em evidência assim a dimensão da qual fazemos parte, nessa comunidade de trabalho, que é a Escola Una.
Gostaria de agradecer às diretoras da EBP-Rio e do ICP-RJ, Marcia Zucchi, especialmente à Maria Inês Lamy, pelo convite que me foi feito para coordenar estas Jornadas, ao lado da querida colega Isabel do Rêgo Barros Duarte. Sem dúvida, um convite desafiador logo na minha admissão como membro da Escola.
Agradeço à Isabel pelas trocas que já tivemos desde o dia um desse convite. Acredito que essa parceria já havia se iniciado nas Jornadas anteriores, onde, a partir de uma conversa meio inesperada no café, ficou ao menos para mim a sensação de que retomar os conceitos freudianos, lacanianos, nossa base, interrogando-os da boa maneira seria importante. Sugeri na primeira conversa com Isabel que pudéssemos investigar sobre o tema da interpretação, por acreditar que está no coração da nossa prática. Nossa aposta com estas Jornadas é que possamos colocar a lupa na clínica, trazer nosso arroz com feijão, que é complexo, nossas invenções do dia a dia, gestos, atos, cortes, isto é, interpretações, aquilo que vai reescrevendo de um novo jeito a existência de quem nos procura, nos consultórios, nas instituições.
Nosso convite é para que possamos montar cartéis com este tema, que desemboquem num trabalho coletivo nas Jornadas, mas, sobretudo, que cada analista possa demonstrar o seu estilo, os impasses, as durezas, as pedras que cada parlêtre se depara em sua existência e as que nós, analistas, lidamos no nosso fazer. Essas pedras nos concernem, nos convocam como analistas e sobre elas queremos produzir uma enunciação.
Que relações podemos pensar entre os termos palavra, pedra e interpretação? Qual estatuto para a intepretação em nossos dias? Como interpretar a cidade e nos deixarmos interpretar por ela? Miller, no seu curso, Respostas do real, diz: “A doutrina da interpretação em psicanálise sempre necessita dar conta do seu poder, de sua eficácia.”[1]
Convidamos vocês, nos convidamos, a demonstrar através da nossa prática que passar pelo discurso analítico coloca em relevo a defasagem entre corpo e discurso, aquele furo ligado ao real que nos faz únicos e que nenhum discurso, nem o do mestre, logra petrificar completamente. Não é em direção a essa hiância que miramos com a interpretação?
Miller, em “A interpretação pelo avesso” destaca:
“É um engodo, até um impasse, unilateralizar a interpretação do lado do analista como sua intervenção […]. As teorias da interpretação analítica testemunham apenas o narcisismo dos analistas. A interpretação é primordialmente do inconsciente. A interpretação, no entanto, não é estratificada em relação ao inconsciente; inscreve-se no mesmo registro, é constitutiva deste registro; quando é a vez do analista, este faz como o inconsciente; inscreve-se na mesma sequência; faz somente a intepretação passar do estado selvagem que demonstra estar no inconsciente para o estado racional onde tenta conduzi-la. Fazer ressoar, fazer alusão, subentender, silenciar, fazer oráculo, citar, fazer enigma, meio-dizer, revelar, quem faz isso? Quem o faz melhor? Quem maneja esta retórica desde nascença, enquanto você se esforça por aprender rudimentos dela? Quem? A não ser o próprio inconsciente”.[2]
Lacan, no posfácio do Seminário 11[3], diz que Joyce introduz no seu escrito a dimensão do pouco a se ler. Em seguida diz que Joyce intraduz e faz um percurso da palavra para além das línguas. Interpretar introduzindo o intraduzível, que dá lugar ao mal-entendido. O intraduzível como uma ferramenta para movimentar o gozo no corpo, que deixa um espaço a um saber fazer contingente que se despede do sonho da eternidade.
Por fim, agradeço às coordenações de cada comissão e a todos os integrantes que aceitaram embarcar conosco na produção dessas Jornadas. Esperamos que seja um trabalho de Escola, que cuide da formação do analista, uma experiência que pretende manter viva a orientação lacaniana em nossos tempos.
Mãos e pedras à obra!