Nelson Matheus Silva[1]
Uma vez que não se é possível falar a não ser a partir daquilo que é para cada um furo no saber, direi o que me atravessou nesses dias de Jornadas como um efeito ressonante.
Antes de qualquer outro tema, gostaria de deixar registrada a alegria de testemunhar a presença diversa e plural de tantos colegas jovens presentes nas Jornadas da Seção Rio da EBP e do ICP-RJ. Como não fazer tal referência diante de uma crise que interroga o lugar dos jovens na época que lhe é devida, seja na nossa Escola seja no mundo?! Christiane Alberti à Mondō nos remeteu a Lacan, em uma conferência de 1974, na Itália, que se expressou da seguinte forma ao chegar e se deparar com sua plateia naquele dia: “Estou muito contente de ver um grande número de figuras jovens, já que são nessas figuras em quem deposito minha esperança”.[2] Como participante da Nova Política da Juventude na EBP, não poderia não dizê-lo.
As Jornadas tiveram uma característica que para mim é fundamental naquilo que se tenta transmitir, em especial na psicanálise, o saber em fracasso[3], um saber furado, única via que justifica a entrada da psicanálise em qualquer campo que seja e sua pertinência.
O furo, a falha, a castração, o S(A/) são formas variadas de se dizer de uma impossibilidade. Transmitir de um lugar no qual o impossível foi articulado a um saber fazer, ao surgimento de algo inédito – foi um traço importante desses dias de trabalho. Nos clássicos casos freudianos, temos poucas notícias dos casos bem-sucedidos. Não que eles não existiam. Mas por que nos detivemos, e ele também, naquilo que fracassou? Porque o sucesso, indo no avesso do discurso comum, não ensina nada! Há uma outra razão também. Lacan, ao falar desse furo no saber, nos remete à mise en abyme. Essa técnica da pintura, e que também se faz uso no cinema, “dá testemunho do abismo que há entre o semblante e o real”.[4] Ou seja, é preciso não confundi-los, mas também ser tolo para se deixar ensinar pela fenda aberta naquilo que manca.
As Jornadas do Rio tiveram esse traço fundamental. Nas Jornadas Clínicas, e aqui me incluo, ao trazer um caso de minha prática, foram apresentados casos nos quais os analistas praticantes estavam diante daquilo que se apresentou como uma falha no discurso, mas que convocou a um ato inédito. Era possível ler nos casos o desejo do analista trabalhando e, antes, advindo de um lugar difícil na transferência. A começar pela convidada, Gabriela Grinbaum, que, em sua conferência intitulada “A interpretação primeira”, nos trouxe recortes de sua própria experiência como analisante, como praticante da psicanálise e seus trabalhos de supervisão, quase sempre pautados no que se fez como mal-entendido, no que a dividiu, no furo, no equívoco, e o que disso foi feito como um efeito de formação. É preciso coragem para sustentar a própria enunciação e articulá-la ao múltiplo da Escola. Coragem e ter aprendido a dar conta da própria castração em um trabalho de análise. Recordo-me, aqui de uma fala que se tornou costumeira e que foi reproduzida algumas vezes por Bernardino Horne ao dizer que a castração é a alegria dos homens. Eu diria, tendo em vista os giros no discurso do mestre, que é a alegria dos seres falantes, quando se é possível consentir com ela. A castração é alegria porque permite que o amor se inscreva.