Andrea Vilanova
David Lynch cria um espaço com suas peças soltas, desconectando corpo, voz, presença e o que afeta.
Essa foi minha referência desde o primeiro momento em que o poeta passou para dentro do trabalho de construção das Jornadas, a partir de um encontro contingente de Isabel Duarte com o texto de João Cabral.
Admirando a cena do Clube Silêncio, do filme Mulholland Drive (2001), que nunca me saiu da memória, sugeri montarmos em cena uma voz sem corpo, pura presença. Como alcançar esse efeito? Foi aí que na véspera o diretor do teatro nos brindou com o efeito cênico da fumaça. Impressionante.
Experimentamos efeitos de transmissão que se fazem em mão dupla. Tentar dizer e se fazer ouvir é também ouvir-se dizendo.
Voilà! As vozes de Ana Lucia Lutterbach e Romildo do Rêgo Barros ofereceram sua presença a isso que viria a ser o jogo de cena, que o teatro nos pedia ao nos oferecer o palco, a plateia, os planos de execução, os véus. Lembro de Ana Beatriz afirmar, durante o caminho de construção, que gostaria de jogar com a cena, estávamos num teatro.
Da coxia, ou da house, a mesa de controle de luz e o som no fundo do teatro, mirar a boca de cena não como espectadora, mas como parte da arquitetura, que abrigou tantos dizeres, sorrisos e modos de presença, tornou este um momento inédito para mim.