Teresa De Cicco
Nos corredores do teatro da Cesgranrio, local em que por dois dias ocorreram as XXXI Jornadas Clínicas da EBP-Rio e do ICP-RJ, ouvi com frequência comentários elogiosos referentes à proposta da coordenação do evento de privilegiar a apresentação de casos clínicos para fomentar a discussão sobre o tema da interpretação. Faço coro aos aplausos decorrentes dessa proposta. Dias depois das Jornadas, ainda me encontro pensando em alguns significantes apresentados nos trabalhos clínicos, que fisgam o real, em seus respectivos casos clínicos. Alguns deles foram destacados pela operação de interpretação.
A partir das ressonâncias produzidas pelos casos assistidos nas XXXI Jornadas, extraí duas questões: a primeira diz respeito à dimensão da escrita em análise. A segunda questão se refere ao par teoria e prática em psicanálise.
A dimensão da escrita em análise
As operações em torno dos significantes demonstradas nos trabalhos clínicos dão relevo à dimensão de escrita na fala. O encadeamento de fala que o sujeito traz em análise se organiza como uma escrita. Esses circuitos de rememoração são regidos por leis de funcionamento. Eles estão determinados pela regularidade de algumas combinações significantes. A constituição dessas sequências demonstra que a fala não opera de modo aleatório.
A partir desse funcionamento, encontramos as possibilidades significantes que delineiam uma cadeia, assim como o que, simultaneamente, fica excluído dela. Essa parte segregada do discurso, que não é descoberta ou revelada, pois não tem caráter prévio, é o que retorna na vida sob a forma de repetição. É a pedra a ser lapidada, extraída, produzida em análise a partir da interpretação.
Através dessas apresentações clínicas, mais uma vez, sobressaiu-se a dimensão de escrita, que encontramos em uma análise do início até seu fim.
Teoria e prática
Outra confirmação resultante do que assisti nas Jornadas diz respeito ao reconhecimento de que teoria e prática são categorias indissociáveis. Em seu texto dedicado às pulsões, Freud afirma que “não se pode evitar a aplicação de determinadas ideias abstratas ao material”.[1] Isso significa que, apesar de parecer que as ideias teriam sido extraídas do material clínico, este último é, na verdade, subordinado a elas. Essa acepção aponta que tem algo que preside e organiza a experiência clínica, no caso, as chamadas “ideias abstratas”. Elas funcionam como ferramentas que aplicamos ao que escutamos de nossos pacientes, o que demonstra a inseparabilidade entre teoria e prática. Desse modo, é possível indicar a tensão existente entre o imediato do real clínico que aparece a cada novo encontro entre paciente e analista e o recurso ao aparato teórico-conceitual. Assim, além de não supormos a existência de um campo de prática puro, contamos com a formalização conceitual para manejar a clínica. Fato que se mostrou confirmado nessa primeira semana de outubro de 2024.
Para concluir, vale dizer que a confirmação da inseparabilidade entre teoria e prática surgiu, mais uma vez pra mim, meses antes da estreia do evento. O trabalho acurado da Comissão de Livraria das Jornadas de buscar e selecionar títulos relevantes ao tema da interpretação nos colocou em contato com uma abundante produção de saberes sobre a prática. Foi proveitoso participar desse trabalho, no qual não só pesquisamos como também tivemos a chance de divulgar os trabalhos do Campo Freudiano, além de autores de outros campos de saber que contribuem para pensarmos a clínica psicanalítica.