A interpretação não visa tanto o sentido quanto reduzir os significantes a seu não senso […].
LACAN, J. O seminário, livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. 2 ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1985, p. 201.
Escolhi essa frase enunciada por Lacan em 1964 por definir, de algum modo, a visada da interpretação lacaniana na contramão da elaboração de saber na análise. Embora uma análise não possa prescindir da associação de ideias, articulação significante que visa encontrar um sentido para o sintoma, a interpretação analítica visa o real que escapa a essa articulação. Dito de outro modo, ainda que a manobra do analista que sustenta o trabalho de transferência seja “uma incitação ao saber”[1], a interpretação aponta, paradoxalmente, para o que o saber não consegue recobrir.
As formações do inconsciente, sonho, lapso ou sintoma, procedem por interpretação, dizia Lacan no mesmo Seminário 11.[2] O trabalho inconsciente articula os significantes sem sentido (S1) que marcaram o sujeito a outros (S2) que lhe dão sentido. A isso temos acesso na fala em análise. A interpretação analítica vem depois e opera ao avesso do inconsciente, como formula J.-A. Miller. O avesso da elaboração significante S1->S2 é o que Lacan escreve na parte debaixo do matema do discurso do analista: S2//S1. A interpretação pelo avesso do trabalho inconsciente separa o S1 do S2, “reconduzindo o sujeito para a opacidade de seu gozo”.[3]