SOBRE A CONVIDADA GABRIELA GRINBAUM
Ana Beatriz Zimmermann Guimarães e Isabel do Rêgo Barros Duarte
“Fazer falar as pedras”
Para apresentar nossa convidada, Gabriela Grinbaum, escolhemos dois trechos de seu testemunho de passe publicado na revista Arteira, em novembro de 2015.[1] Dois trechos, duas interpretações, dois momentos diferentes da análise, dois efeitos diversos dessas interpretações.
1.
Minha primeira análise começou aos 18 anos, tomada pela dúvida entre ser uma atriz ou continuar o curso de psicologia.
Com a volta da democracia, meu pai abriu um teatro em San Telmo, o que dificultou meus laços com alguns colegas de teatro. Aos 19 anos, estreei Antígona numa versão de Anouilh. Ao sair do Teatro Colonial, esperei pelas palavras de meu pai, as únicas que me importavam. E ele me disse: “Talvez tua voz não seja suficiente para o teatro”. Toda felicidade que havia sentido desde minha escolha em interpretar esse personagem e a felicidade durante toda a apresentação desmoronaram naquele instante. E a cada dia passei a ter menos voz. A afonia era uma parte de mim. É verdade que eu sempre fui rouca, e meu pai me dizia que eu parecia com a Graciela Borges, e eu gostava disso porque ele gostava dela. Mas agora era diferente. O brilho de minha rouquidão tornou-se opaco, e eu não poderia ser uma boa atriz.
Fui à minha sessão e minha analista disse: “Vejo que a voz do teu pai te deixou sem voz”. Isso foi suficiente para que a afonia desaparecesse. Foi assim ou algo parecido e, possivelmente, pelo tempo transcorrido, as coisas foram um pouco romanceadas. (Arteira: Revista de Psicanálise, n. 7, 2015, p. 148-149)
2.
O não dormir conduz no tratamento a uma lembrança infantilíssima, para usar um termo muito utilizado no momento atual e, além disso, que me é familiar, de ir ver meu pai durante as noites para certificar-me de que respirava, prestando atenção no movimento de sua barriga. A escuridão me angustiava por alguns momentos quando pensava que ele estava morto.
Na análise, localiza-se o vivificar do pai morto, não o não dormir, mas o não deixar o outro dormir, e, junto a isso, conseguir despertar o outro até ficar empapada de suor pelo esforço. Um pai extremamente culto, para quem eu era, indiscutivelmente, a favorita.
A única que conseguia desviar sua atenção dos livros era eu. Reparava em mim. Tão culto como silencioso. Palavras tinham que ser arrancadas dele. E eu me encarregava de animar a festa todos os dias, todo o tempo, sempre com alguma coisa para contar-lhe, sempre fazendo com que ele me contasse algo: “E afinal como termina La cantante calva?” “Gostas mais de Ionesco ou Pirandello? Por que tu falas que Ibsen era feminista?” Eu sabia que botão apertar para fazê-lo falar. Satisfação extenuante. E, assim, também com o outro, o partenaire, o analista.
E, assim, dirijo-me ao meu terceiro analista, alguém que encarnava o lugar do pai vivo, o pai que não dorme nunca. Mesmo assim, havia que mantê-lo acordado. Em uma ocasião, para minha desgraça, um colega da EOL me conta que este mesmo analista havia dormido durante uma sessão.
Dobro a aposta. A cada vez falava mais sobre algo que o interessava, mais sobre o que o divertia, mais sobre o que o despertava. Finalmente, uma intervenção: “Você exagera para despertar mais interesse no outro”. Envergonho-me como nunca. Revelava-se minha posição fantasmática.
Fazia tempo que isso me pertencia, nas aulas que dava na faculdade, nas reuniões que organizava em casa, nas jornadas da Escola, com os amigos, inclusive, com certos pacientes que se encontravam adormecidos. Nessa mesma série, às vezes me queixava na análise do esforço que implicava atender certos pacientes que não falavam e que me eram encaminhados logo após experiências frustradas: “Porque eu faço falar até as pedras”.
Meu analista festeja e retruca: “Fazer falar as pedras, esse é teu traço”. Isso produziu uma passagem do excesso de gozo a um gozo amistoso, estabelecendo uma homeostase e se tornando um prazer. (Arteira: Revista de Psicanálise, n. 7, 2015, p. 151-152)
[1] Texto completo publicado em Arteira: Revista de Psicanálise, n. 7, nov. 2015. Florianópolis: Escola Brasileira de Psicanálise – Seção Santa Catarina. Passe, Testemunho, Gabriela Grinbaum, p. 145-153. Disponível em: http://revistaarteira.com.br/images/pdf/Arteira-7.pdf. Acesso em: 19 jul. 2024.