Mirta Zbrun
“O que permanece característico da ilusão é a derivação de desejos humanos, e nesse aspecto ela se aproxima da ideia delirante na Psiquiatria, mas também se aparta dela, sem considerar a construção mais complicada da ideia delirante. Na ideia delirante destacamos como fundamental a contradição com a realidade; a ilusão não precisa necessariamente ser falsa, isto é, ser irrealizável, ou estar em contradição com a realidade.”, escreve Feud.[1]
Quando se fala de ilusões também se vive! Confirma-se que elas não precisam ser falsas, irrealizáveis ou em contradição com a realidade, como escreve Freud no parágrafo citado acima, pois o que permanece característico da ilusão é a derivação de desejos humanos. Desse modo, ela se aproxima da ideia delirante considerada pela psiquiatria, porém, é interessante observar como que, para Freud, ela se afasta da psiquiatria por considerar a construção mais complicada que a ideia delirante. E ele ainda assinala que na ideia delirante destacamos como fundamental a contradição com a realidade. E para notar uma ideia sobre o tema da ilusão, Freud observa que a ilusão não precisa necessariamente ser falsa, isto é, ser irrealizável ou em contradição com a realidade.
Então, para que servem as ilusões pois não se vive sem elas? Qual sua utilidade, seu uso, ou sua eficácia na análise? O que se pode ouvir nas alucinações deveria ser considerado elemento de interesse no tratamento psicanalítico?
As alucinações psíquicas, ou também chamadas de fenômenos alucinatórios, estão desprovidas de sensibilidade e “parecem relacionar-se quase exclusivamente com a audição”.[2] Nos casos de loucura, nos quais seria possível diferenciar as ilusões dos delírios que compõem a estrutura de uma metáfora delirante, elas se apresentam em geral como auditivas. Já os delírios, são crenças exageradas, irrefutáveis, porque se tem certeza de algo, mesmo sem nenhuma evidência real disso. Sem embargo, nas alucinações há uma percepção de coisas que não estão lá, sejam elas imagens ou sons, e se acredita que são reais. Na clínica se observa que o delírio e as alucinações podem ocorrer juntos e por vezes relacionados, e os sintomas de ambos os fenômenos trazerem em geral sofrimento e angústia.
Na tentativa de avançar na compreensão das ilusões na clínica psicanalítica, recorremos ao enunciado lacaniano “que se diga fica esquecido por trás do que se diz em o que se ouve em seu escrito” que encontramos no escrito do Lacan O aturdito [3]. Podemos pensar que algo se diz, se disse, se ouve, se interpreta das ilusões na clínica psicanalítica?
Para responder as questões até aqui levantadas apresentamos as seguintes considerações:
Que se diz nas alucinações? Se consideramos que há um dito em todo dizer, e que alucinar quer dizer algo, podemos pensar que o falasser recorre às alucinações para não ver o que deseja, para driblar o além do envoltório formal do sintoma e acreditar realizar a fantasia em seu laço libidinal com o objeto como se observa no amor. A essa utilidade podemos acrescentar o fator quantitativo do princípio do prazer realizado na ilusão do sujeito de enganar-se e tender a ser uma armadilha diante do desejo do Outro, fazer acreditar a seu parceiro imaginário a eficácia da sua ilusão
O que se ouve nas alucinações? As alucinações sejam elas do amor, das loucuras de cada um, ou nos discursos, elas são narradas na análise? Se consideramos que formam parte das narrativas do sujeito na sessão analítica, podemos propor que na clínica psicanalítica trata-se de ouvir o que se diz atrás do que ouve nas alucinações do sujeito. Partamos do princípio de que as alucinações entram a formar parte da clínica psicanalítica, presentes no relato dos sonhos no que ele tem de mais alucinatório, nas associações livres decorrentes das lembranças, em especial, das chamadas lembranças encobridoras. Tais enunciados trazem na sua enunciação um dito, a saber o que se escuta no que se ouve no parlêtre. Aí encontramos o l`Etourdit lacaniano que parte da distância que há entre o dizer e o dito mencionado no Seminário livro 20, mais ainda.[4] Na clínica psicanalítica tratamos do inconsciente pelos ditos do paciente que o seu dizer traz, segundo a fórmula lacaniana, “que se diga fica esquecido por trás do que se diz em o que se ouve” que encontramos no escrito O aturdito [5].
O Inconsciente intérprete nas alucinações. Defrontar-se na prática clínica com o Inconsciente e o corpo falante é também encontrar-se com as ilusões dos sujeitos em análise, algumas delas sempre perdidas, como disse Balzac: A avareza, como o amor, tem o dom da vista dupla sobre futuros contingentes: fareja-os, exprime. Elas, as ilusões, podem ocupar um lugar privilegiado no tratamento porque não são necessariamente falsas, irrealizáveis ou contrárias à realidade, como diz Freud. Dessas postulações podemos concluir que haveria nas ilusões uma eficácia que pode ser alcançada, resta poder ouvi-las.
Referências:
FREUD, S. (1927). O futuro de uma ilusão. In: FREUD, S. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. v. XXI. Rio de Janeiro: Imago,1996.
LACAN, J. (1972). O aturdito. In: LACAN, J. Outros escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.
[1] Sigmund Freud, Cultura, sociedade, religião: O mal-estar na cultura e outros escritos. BH, Autêntica, 2023 (Obras incompletas de Sigmund Freud), pp 263-64.
[2] Leonardo Gorostiza, Sobre la alucinación”, 1995, p. 128. Em: Silvia, E Tendlarz: Análisis de las alucinaciones. Buenos Aires, Paidós, 1995.
[3] Idem, O aturdito em Outros escritos, Zahar, Rio de Janeiro 2003. P448.
[4] Jacques Lacan, O seminário livro 20 mais ainda, Zahar, Rio de Janeiro, 2003, p.108
[5] Honoré de Balzac, Ilusões perdidas. Volume VII da Comedia Humana.