Eixo 2 – Ilusão no amor

 

 

Existe amor sem ilusão? O amor é sempre recíproco, afirma Lacan. Com isso, ele sublinha a tendência de que vá em direção a si mesmo. Ainda que o amor se sustente na escolha por apoio, ele está fundado no narcisismo originário. O simbólico vem inscrever a falta como constitutiva do ser de linguagem e Lacan assim define o amor em sua face simbólica: “Dar o que não se tem”. É da própria falha no campo da linguagem, de sua insuficiência em alcançar algo do ser, que brota a demanda do amor. Essa via pode levar às devastações, às loucuras de amor, à erotomania… que não estão presentes apenas nas psicoses, mas são posições possíveis para qualquer ser falante no drama amoroso.

Freud afirmou que, na transferência, estamos diante de um amor autêntico. Com isso, não se trata de que aí o amor seja mais ou menos verdadeiro, mas que, até certo ponto, o amor mesmo está marcado pelo signo do engano. O amor tende a esconder o objeto dejeto com a bela imagem, i (a). Freud cita Shakespeare em Construções em análise “Uma isca de mentira pega a carpa da verdade”. O engano do sujeito suposto saber na transferência possibilita a construção da fantasia, verdade subjetiva, e fisga algo do real.

Se o amor, afinal, vem em suplência à relação sexual que não existe, isso significa que ele pode incluir a não-relação em sua engrenagem? Temos notícias de um amor  aberto à alteridade, que pode dar lugar a algo do real e ao não-todo.

Nossos tempos, em que o simbólico se transforma, tempo de enfraquecimento do Nome-do-Pai, têm desvelado mais intensamente um imperativo solitário de gozo e novas soluções são experimentadas nesse contexto. Muitas questões nos interrogam.

O que Miller chama de Um-divíduo contemporâneo dispensaria o encontro amoroso? Os objetos de consumo o substituem? Freud nos diz que, sem amor, adoecemos… Qual o impacto do virtual como ilusão e da oferta dos aplicativos amorosos? Como se é louco de amor hoje? E sobre as novas soluções? Os amores trans, não-binários, as novas famílias podem ensinar algo aos analistas? Finalmente, como fica o amor de transferência com a mudança discursiva? São algumas questões que temos trabalhado e que gostaríamos de trocar com os que se aproximam de nossa Jornada.

 

Angela Negreiros e Paula Legey

 

 

 

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Referências Bibliográficas

 

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Uma Mulher Fantástica, Filme, Diretor: Sebastián Lelio, 2017.