Editorial

 

“Quando nisto iam, descobriram trinta ou quarenta moinhos de vento, que há naquele campo. Assim que Dom Quixote os viu, disse para o escudeiro:

 – A aventura vai encaminhando os nossos negócios melhor do que o soubemos desejar; porque, vês ali, amigo Sancho Pança, onde se descobrem trinta ou mais desaforados gigantes, com quem penso fazer batalha, e tirar-lhes a todos as vidas, e com cujos despojos começaremos a enriquecer; que esta é boa guerra e bom serviço a Deus quem tira tão má raça da face da terra.

 – Quais gigantes? – disse Sancho Pança.

 – Aqueles que ali vês – respondeu o amo-, de braços tão compridos, que alguns os têm de quase duas léguas.

 – Olhe bem,Vossa Mercê – disse o escudeiro- que aquilo não são gigantes, são moinhos de vento; e o que parecem braços não são senão as velas, que tocadas do vento fazem trabalhar as mós.

 – Bem se vê – respondeu Dom Quixote – que não andas corrente nisto das aventuras; são gigantes, são; e, se tens medo, tira-te daí, e põe-te em oração enquanto eu vou entrar com eles em fera e desigual batalha.”[1]

O tema da ilusão levou a Coordenação das Jornadas a uma célebre cena literária: Dom Quixote lutando com moinhos de vento imaginando que estes fossem gigantes cruéis. Desde a publicação dessa obra, que é considerada o primeiro romance moderno, moinhos se tornaram metáforas recorrentes na literatura ocidental. No Brasil, por exemplo, um dos maiores sambistas da música brasileira, Cartola, gravou em 1976 uma de suas músicas mais conhecidas, cujo refrão nos oferece os seguintes versos:

Ouça-me bem, amor

Preste atenção, o mundo é um moinho

Vai triturar teus sonhos, tão mesquinho

Vai reduzir as ilusões a pó[2]

Os moinhos são movidos para a produção de alimentos, mas eles também movem ilusões – e se transformam em inimigos. E por mais que se diga que essa é uma luta inútil, os moinhos podem ainda soprar fantasias, insuflar desejos, inspirar poesia e encorajar amores.

Reforçando o convite feito no dia do lançamento das 30as Jornadas Clínicas da EBP-RJ e ICP RJ, apresentamos mais uma vez o argumento, os eixos e a bibliografia sobre o tema Ilusão que irão nos instigar, provocar, entusiasmar e incentivar a produção de palavras, escritos, debates, conversas e questões que nos preparem para tratarmos, em nossas clínicas e transmissões, do presente e do futuro da ilusão no horizonte de nossa época.

 


[1] Cervantes de Saavedra, Miguel de. (1547 -1616). São Paulo: Abril Cultural, 1978.
[2] https://open.spotify.com/intl-pt/track/3PavsmA9S6QA5lNmmsuOif?si=3DCFk73OQuyrc5ZpDZ1LnQ&nd=1

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