Comentário sobre o artigo de Fabián Fajnwaks Nominações queer
Andréa Reis Santos
O pano de fundo desse excelente artigo é composto pelo cenário de mudanças na civilização e consequentemente na nossa clínica, como efeito do enfraquecimento, ou como propõe Lacan, da evaporação do Pai. Mais do que mudança, podemos falar de uma crise em andamento, já que coisas que pareciam estar estabelecidas, escritas na natureza, perdem muito de sua força. Por exemplo, a aliança entre as tecnociências e o capitalismo faz com que seja muito menos sólida a ideia do que é um homem e o que é uma mulher. Outra maneira de dizer que quando o Outro da época muda, mudam também os corpos e verifica-se uma espécie de desordem no real. Essa crise do binarismo homem/mulher é demonstrada entre outras coisas, pela explosão de gêneros e pela fluidez dos discursos e práticas dos nossos tempos, e nos convoca a repensar o papel da psicanálise nesse novo cenário.
Fabián Fajnwaks consegue demonstrar com muita clareza, de que maneira o último ensino de Lacan permite responder às interrogações que essas transformações das práticas e das identidades sexuais colocam para a civilização sob esse significante “fluido”. Ele propõe partir do seminário 20 para localizar o esforço de Lacan para encontrar com os nós borromeanos, e com o sinthoma, os diferentes arranjos com o gozo, fora daquele assegurado pelo Nome-do-pai, que a partir daí passa a figurar como apenas mais uma das amarrações possíveis. Ele destaca desse momento do ensino de Lacan, no mais além do édipo e da norma fálica, as ferramentas que nos ajudam a responder às questões que nos apresentam os sujeitos queer e os transsexuais, através de uma perspectiva despatologizante, e também anti-segregativa. Perspectiva que é muito bem-vinda quando se trata principalmente de sujeitos que fazem parte de uma população que é alvo de uma violência extrema em nosso país.
O tema é complexo. Verificamos no dia a dia de nossa prática que o momento atual traz desafios e dificuldades para a clínica. Fabián fala da nossa época como marcada por um regime de gozo onde o excesso é levado a buscar renovação, com novos excessos para suturar a divisão subjetiva. É a lógica neoliberal fazendo apelo a uma ideia de sujeito como empreendedor de si, sem resto. No entanto, o que ele nos ensina, é que o universo trans não se reduz a essa lógica e por isso não há motivo para recuar diante do que esses novos arranjos nos apresentam. Considero esse o ponto alto do seu artigo.
Considerar as nomeações queer como tentativas de regulação do gozo fora da ordem edípica, como uma das formas possíveis de enodamento entre os três registros RSI, sem tomar a neurose como matriz fantasmática e modelo universal, é o que nos permite não patologizar esses arranjos, mas partir deles para um giro a mais que uma experiência de uma análise pode favorecer. Apesar de marcar a diferença entre a nomeação que se obtém a partir de uma análise, onde o analisante forja, pelo esvaziamento do lugar do Outro, um nome próprio de sinthoma; e aquela obtida a partir de um nome comum de gozo, do qual se servem os sujeitos queer para se identificar e fazer laço, ele destaca – nas operações de nominação às quais procedem os sujeitos transgêneros, quando reivindicam a mudança de nome e de gênero no registro civil – a função de enodamento entre os registros RSI que esse nome inventado pode exercer. Nesse caso, o encontro com um analista pode favorecer um tipo de escanção na urgência e na lógica do excesso, sustentando um intervalo, um tanto de tempo e espaço para que o arranjo singular que enoda e estabiliza não se reduza a um fechamento, a um eu idêntico a si mesmo, senhor de si e impermeável ao tanto de vida que se apresenta naquilo que divide cada um, trans ou não.