◼Eixo 1 – Ilusão nas loucuras
“(…) longe de a loucura ser um fato contingente das fragilidades(…), ela é a virtualidade permanente de uma falha aberta em sua essência (…) E o ser do homem não (…) pode ser compreendido sem a loucura(…)” [1]
As palavras de J. Lacan inspiram o eixo intitulado Ilusões nas loucuras, que acolherá os trabalhos que abordem e interroguem o lugar, a função e o destino das ilusões nas loucuras do falasser nos dias de hoje.
O termo ilusão provém do latim ilusione, e significa engano, enganar, sendo articulado por S. Freud ao desamparo inicial [1] do ser falante. A ilusão se opõe de alguma forma à realidade material, superando-a, corrigindo-a ou substituindo-a, fazendo parte da realidade psíquica organizada pela estrutura da fantasia, no campo da neurose, ou da fantasia delirante nas psicoses. Tal como Freud afirma, há para todos, independente da estrutura, uma perda da realidade. E é com essa perda que o ser falante faz e constrói sua vida com mais ou menos sofrimento.
A afirmação de J. Lacan, “todo mundo é louco”, é elaborada por J.-A. Miller como uma tese, que ao ser modulada como hipótese [2] permite a inclusão das distinções clínicas, nível no qual cada um é louco de seu jeito. Assim, as ilusões ganham diferentes cores relativas à loucura de cada um, através dos diferentes sintomas, que articulam a dimensão do desejo e uma modalidade de satisfação pulsional, que, com J. Lacan, denominamos de gozo.
Propomos refletir sobre a ilusão a partir dos diferentes sintomas que se apresentam no trabalho do analista, seja nas loucuras da neurose, seja nas psicoses ordinárias ou extraordinárias, seja nas diferentes problemáticas que podem passar pela queda das ilusões. Essa queda, em alguns casos, resulta em acting out, passagens ao ato, mutilações, fenômenos diversos do corpo, distúrbios alimentares, assim como adições que mantêm, a qualquer preço, a anestesia da subjetividade.
Aguardamos os trabalhos em torno deste tema, que poderão ter o formato de recorte clínico, de um relato de supervisão ou de uma experiência, sempre tentando elucidar a relação moebiana entre os conceitos e a experiência da psicanálise.
◼ Ana Beatriz Freire e Maria Silvia G. F. Hanna
[1] Lacan, J. (1946) “Formulações sobre a causalidade psíquica”. Em: Escritos, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor. 1998. P.177.
[2] Freud, S. (1927) “O futuro de uma ilusão”. Em: Obras Incompletas de Freud: Cultura, sociedade, religião: O mal-estar na cultura e outros escritos. Belo Horizonte: Autêntica, 2023.
[3] Miller, J. A. “Todo o mundo é louco”. Em: Opção Lacaniana, nº 85. São Paulo: Eólia Edições, 2022.
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◼ Referências Bibliográficas
● BASSOLS, M. “Elogio de las psicoses ordinárias”, Em: Desescrits, 2016. Disponível em: http://miquelbassols.blogspot.com.br/2016/11elogio-de-las-psicosis-ordinarias.html. Acesso em: 23 fev.2017.
● COSENZA, D. “A Recusa e seu manejo no tratamento psicanalítico da anorexia”, Em: Almanaque online, nº 3(4). Belo Horizonte: Scriptum, 2009.
● FREUD. S. (1924) “A perda da realidade na neurose e na psicose”. Em: Edição Standard da Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol. XIX. Rio de Janeiro: Imago, 2006.
● ____. (1927) “O futuro de uma ilusão”. Em: Obras incompletas de Sigmund Freud: Cultura, sociedade, religião: O mal-estar na cultura e outros escritos. Belo Horizonte: Autêntica. 2023.
● LACAN, J. (1946) “Formulações sobre a causalidade psíquica”. Em Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998.
● ____. (1955-56) “De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose”. Em: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998.
● ____. (1963) “Passagem ao ato e acting out”. Em: O Seminário, livro 10: a angústia. Rio de Janeiro; Jorge Zahar Ed., 2005. P.128-145.
● ____. (1978). “Transferência para Saint Denis? Lacan a favor de Vincennes!”. Em: Correio – Revista da Escola Brasileira de Psicanálise, nº 65. São Paulo: EBP, 2010.
● LAURENT, É. La psicosis ordinaria. ¿Cómo se enseña la clínica? Buenos Aires: Instituto Clínico de Buenos Aires, 2007.
● MILLER. J. A., “Todo mundo é louco”, Em: Opção Lacaniana, nº 85. São Paulo: Edições Eólia, 2022.
● ____. Todo el mundo es loco. Buenos Aires: Paidós, 2015.
● SANTIAGO, J. A. A droga do toxicômano: uma parceria clínica na ciência. Belo Horizonte: Relicário Edições, coleção BIP, 2017.